
Cerca de 30 médicos que trabalham no Complexo Hospitalar Municipal, em São Bernardo, estão com três meses de salários atrasados. A gestão do hospital é da FUABC (Fundação do ABC) que, por sua vez transferiu a realização dos trabalhos à CAP Serviços Médicos. Os médicos estão sem receber desde novembro do ano passado e o contrato com a CAP foi rescindido em janeiro. Uma nova empresa foi colocada no lugar assumindo esses profissionais que continuam atuando, porém sem garantias de receber os pagamentos atrasados. A CAP sustenta que tem dinheiro a receber da fundação e que por isso ainda não pagou os trabalhadores.
Um dos médicos que trabalha no Hospital de Urgência há três anos, sob contrato com a CAP, disse que sempre ocorriam atrasos de pagamento. Ele relata ter cerca de R$ 30 mil para receber, referente aos salários de novembro, dezembro e janeiro, mas segundo seu relato, há profissionais com mais de R$ 80 mil em atraso. “Sempre tivemos atrasos de pagamento, quase todo mês reclamávamos, inclusive a Fundação multou a CAP por causa disso”, disse o profissional que prestava serviços como pessoa jurídica à CAP.
O médico, que é clínico geral responsável pelo acompanhamento dos pacientes internados na enfermaria do HU, prescrição de medicamentos, solicitação de exames e altas médicas, disse que o rompimento do contrato entre FUABC e CAP foi abrupto. “Ficamos sabendo no dia 30 de janeiro que tinha sido rompido o contrato, não nos falaram nada”, relata.
Depois da saída da CAP, quase imediatamente outra empresa assumiu os trabalhos e também os médicos foram automaticamente cadastrados, ou seja, todos continuaram trabalhando e a rotina do hospital não mudou, porém a CAP ainda tem os três meses de salários pendentes com os profissionais.
A CAP sustenta não ter recebido o último repasse e que, por isso, não pagou os médicos. “Estamos cobrando diariamente os repasses do complexo hospitalar de São Bernardo os quais eram para ter sido realizado na data de 28/02/25. Informamos também que após levantamentos internos os valores que temos a receber são os valores que temos a pagar aos profissionais médicos. Temos diariamente realizado cobranças junto a direção do complexo e, assim que receber o repasse, os valores serão quitados imediatamente. Temos passado a situação para nossos coordenadores médicos, que repassam ao corpo clínico, pois eles ainda estão atuando junto a outra empresa para o complexo hospitalar”, resumiu a empresa.
A prefeitura de São Bernardo, que contratou a FUABC para gerir o HU, disse que todos os pagamentos foram feitos à contratada. “A Prefeitura de São Bernardo, por meio da Secretaria de Saúde, informa que não consta nenhum débito da cidade com a empresa CAP Serviços Médicos, prestadora de serviço da Fundação ABC. O município quitou no dia 3 de janeiro a pendência referente ao repasse de dezembro para a Fundação ABC, relacionada ao contrato com a empresa, no valor de R$ 1.375.068,30. Após esse pagamento, um novo repasse de valores foi feito à Fundação ABC em janeiro. Diante de denúncias sobre a falta de pagamento aos médicos, a Fundação, responsável pelo contrato com a CAP, rescindiu o vínculo e informou que os valores foram transferidos para uma conta jurídica”, diz nota da administração municipal.
A FUABC confirmou a informação do depósito em juízo do último repasse e diz que a causadora do problema é a CAP. “A Fundação do ABC (FUABC) informa que, em janeiro de 2025, rescindiu o contrato com a empresa CAP Serviços Médicos, responsável pela prestação de serviços no Complexo de Saúde de São Bernardo, incluindo o Hospital de Urgência. A Fundação do ABC consignará em juízo a quantia de R$ 1.351.810,18, correspondente à única nota fiscal ainda em aberto junto à empresa CAP Serviços Médicos, de janeiro de 2025. Assim, os médicos vinculados à CAP, seja por sociedade, contrato celetista ou prestação de serviços, poderão requerer judicialmente suas respectivas cotas referentes aos plantões realizados no período, cujos pagamentos não foram efetuados pela CAP Serviços Médicos, de acordo com notícias de inadimplemento ligadas à empresa”, diz nota da organização social de saúde.
Ainda na sua nota sobre o assunto a FUABC culpa a CAP pelo problema. “A decisão de não efetuar o pagamento diretamente à CAP é uma medida de proteção aos médicos, garantindo que os valores sejam disponibilizados judicialmente aos profissionais que efetivamente prestaram os serviços, sem que haja qualquer dúvida quanto ao compromisso da FUABC com a regularidade dos pagamentos e a transparência na gestão dos recursos públicos. Lamentamos profundamente que a empresa CAP, conforme notícias divulgadas, tenha gerado essa situação inadmissível junto aos médicos e reforçamos nossa disposição em auxiliar no que for possível para que a questão seja solucionada com a maior brevidade. Além disso, ressaltamos que não há nenhum outro pagamento pendente da FUABC junto à CAP, sendo que todos os valores foram regularmente quitados e os comprovantes de pagamento estão disponíveis em nosso Portal da Transparência. Seguimos à disposição para contribuir na breve resolução dessa situação causada pela empresa CAP”, conclui a nota da fundação.
Ministério Público
Dentro do hospital, esses médicos respondiam diretamente a uma coordenação da própria CAP. Porém a contratada para a realização do serviço é a Fundação do ABC. Perguntada sobre a atividade delegada à FUABC, mas que foi realizada por outra empresa, a prefeitura de São Bernardo não esclareceu esse ponto. Para o advogado Jaime Fregel Gastiglioni, convidado por um grupo de médicos para auxiliá-los juridicamente, ainda não é possível provar nada, porém, na sua análise há algo obscuro na ‘quarteirização’ do serviço público municipal. “Isso há de se questionar na justiça. Não dá para ser categórico, mas algo obscuro tem sim nessa situação de passar o serviço para terceiros. Como é que haverá a fiscalização de cumprimento deste contrato por parte da prefeitura? Como é que se vai fazer um contrato pago com dinheiro público se não é a própria contratada que está realizando o serviço?”, indaga o advogado que é ex-membro da Comissão de Direitos Humanos da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) de São Bernardo.
“Temos em autos de processos na qual a Fundação do ABC é parte, conteúdo onde ela cita que deve cerca de R$ 30 milhões. O que nos parece é que ela pode estar quebrada e, portanto, repassando o contrato para outras empresas”, diz Castiglioni. O advogado diz que o primeiro passo vai ser reunir os profissionais e entrar com uma representação no Ministério Público.
José Roberto Murriset, presidente do Sindicato dos Médicos do ABC, também disse que a entidade está tomando providências. “Solicitamos uma audiência de urgência com o prefeito (Marcelo Lima – Podemos) com cópia para o Secretario de Saúde, para resolvermos a situação, senão vamos para demanda judicial. É inadmissível essa situação”, resume.
“É bem revoltante e triste tudo isso. Só quem perde, na verdade, é o serviço que fica com médicos desestimulados e não valorizados. Pior é que não acho que vá melhorar”, completa o clínico geral ouvido pelo RD.