O Dia Nacional das Tradições das Raízes de Matrizes Africanas e Nações do Candomblé, celebrado nesta sexta-feira (21/03), foi instituído em 2023 com o objetivo de valorizar as religiões afro-brasileiras. No entanto, representantes das tradições afirmam que a data não é motivo de comemoração, mas de luta. De acordo com lideranças da região, as comunidades de terreiro ainda enfrentam desafios como intolerância religiosa, dificuldades para exercer seus rituais e obstáculos no reconhecimento de seus direitos.
Em entrevista ao RDtv, Cássio Lopes Ribeiro, conhecido como Pai Cássio de Ogum, presidente da Federação de Umbanda e Cultos Afro Brasileira de Diadema (Fucabrad), e Iyáloriṣà Adriana t’Ọmọlú, coordenadora estadual do Fonsanpotma (Fórum Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional dos Povos Tradicionais de Matriz Africana), destacam que, apesar do avanço em políticas públicas, as religiões de matriz africana ainda lidam com episódios de preconceito. “O preconceito contra nós não é só religioso, é racial. Quando a polícia é chamada para fechar uma casa de candomblé ou umbanda, já sabemos o motivo”, diz Adriana.
As religiões de matriz africana no Brasil possuem práticas e histórias diversas. O candomblé, segundo seus praticantes, preserva tradições africanas mais próximas das origens do continente, enquanto a umbanda incorpora influências indígenas, espíritas e católicas. “O candomblé é uma tradição que se estabeleceu no Brasil a partir da escravidão, e nossa prática busca honrar nossos ancestrais”, explica Ribeiro. Já a umbanda, segundo ele, tem culto baseado nos antepassados e em entidades espirituais diversas.
Além disso, as formas de ritual são distintas. Na umbanda, os cânticos são em português, e os atendimentos ocorrem diretamente com as entidades espirituais, sem o uso do jogo de búzios. Também não há o ritual de raspagem de cabeça, presente em algumas tradições do candomblé. O sincretismo religioso, no qual orixás foram associados a santos católicos, também se tornou uma característica marcante da umbanda. “Por exemplo, Ogum, um orixá guerreiro, foi associado a São Jorge na Igreja Católica”, comenta Adriana.
Desafios
Lideranças religiosas relatam que as religiões de matriz africana ainda enfrentam dificuldades para serem reconhecidas e respeitadas. De acordo com Ribeiro, há relatos de casas de culto fechadas, dificuldades na obtenção de alvarás e casos de discriminação em escolas. Adriana comenta casos que, em São Bernardo, a gestão municipal anterior determinou a remoção de espaços usados para rituais. Em Diadema, um espaço público destinado a oferendas foi mantido, mas com restrições que, segundo as lideranças, dificultam o uso pelas comunidades religiosas.
Para Adriana, as dificuldades se somam ao preconceito social enfrentado pelos praticantes. “Enfrentamos barreiras no acesso a espaços públicos para nossos cultos e também na aceitação de nossas crenças na sociedade”.
O Consórcio ABC é um canal de diálogo entre representantes das religiões de matriz africana e o poder público. Dentro da Coordenadoria de Igualdade Racial, foi criado o Grupo Temático de Povos Tradicionais de Raízes Africanas e Comunidades de Terreiro, na qual são discutidas políticas voltadas para esses grupos. “Nosso objetivo é garantir que sejamos reconhecidos como povo tradicional de raiz africana e que nossas práticas sejam respeitadas”, explica Adriana, uma das contribuidoras do grupo.
No âmbito nacional, o programa Abre Caminhos, do Ministério da Igualdade Racial, visa combater a intolerância religiosa e promover a valorização dessas tradições. No entanto, segundo as lideranças, ainda há desafios para transformar essas iniciativas em ações concretas.