
Março é um mês importante para o meio ambiente, porque se celebra o Dia Internacional da Água (22/3) e, para quem mora no ABC e Capital tem o aniversário da Billings (dia 27), que completa 100 anos. Diversas ações estão previstas, como o lançamento de uma carta de reivindicações sobre o que a população pode esperar, no futuro, para o segundo centenário. A represa sofre com poluição crescente e redução do volume de armazenamento, que pode colocar em risco o abastecimento para 2,7 milhões de pessoas.
A Billings é hoje o principal reservatório de água do ABC e um dos principais da Grande São Paulo, que abastece cerca de 8 milhões de pessoas. Construída em 1925 pelo engenheiro Asa White Kenney Billings, para a geração de energia pela movimentação das turbinas da usina Henry Borden, a represa teve potencial uso para abastecimento de água anos depois. A gigante tem 152 km² de espelho de água e se espalha por 580 km² de extensão, com margens nos municípios de Santo André, São Bernardo, Diadema, Ribeirão Pires, Rio Grande da Serra e São Paulo.
Ao longo das últimas décadas a Billings tem sofrido com a aproximação da mancha urbana no entorno, com ocupação irregular de áreas de proteção aos mananciais e poluição por esgotos e rejeitos industriais. Houve alguns avanços, como a criação da Lei Específica da Billings, porém, com a pouca fiscalização os danos ambientais continuam a afetar o reservatório.
No ano passado foram diversos problemas graves noticiados pelo RD, como a mortandade de peixes no Rio Grande, um dos principais afluentes, que depois se constatou que foram contaminados por resíduo industrial. Esse mesmo braço foi contaminado por uma mancha avermelhada, que ainda não se descobriu a origem. Uma nata verde, no final do ano, também foi destacada em reportagem, que revelou a proliferação de algas, resultado da presença de esgoto sem tratamento. Em outubro o RD relatou também que o reservatório chegara ao seu nível mais baixo em 10 anos.
Projeto de recuperação parado
Iniciativa, lançada há dois anos pela Frente Ambiental Viva Billings, se esperava trazer neste centenário o primeiro grande projeto de recuperação da represa. O projeto envolve a USCS (Universidade Municipal de São Caetano do Sul), as prefeituras de Diadema e São Paulo, o governo do Estado e a Sabesp. Porém, mesmo com a assinatura de compromissos para o desassoreamento do braço Grota Funda, na divisa entre as duas cidades, retirada do lodo que assoreia o trecho e a construção de um porto com potencial turístico, o projeto não avançou. A esperança era de inaugurar ao menos uma fase do projeto no centenário da represa.
A USCS chegou a elaborar o projeto para a obra e o porto, sem custos para os governos. “O projeto do braço Grota Funda ficou sem retorno do governo do Estado; a gente precisa do aporte financeiro. A USCS fez o projeto gratuitamente, mas as prefeituras e o governo do Estado não deram mais retorno, é uma frustração”, diz a bióloga Marta Marcondes, coordenadora do laboratório IPH-USCS (Índice de Poluentes Hídricos da USCS).
Com o ingresso da Capital no Consórcio Intermunicipal neste mês de março, a ambientalista espera ação nesta área da Prefeitura paulistana. “Espero que São Paulo dê respostas mais efetivas e que a vinda dela para o consórcio seja para benefício de toda a região”, comenta.

Além dos episódios de poluição mais recentes, Marta aponta embates contra obras em áreas de preservação que mobilizaram a opinião pública, ambientalistas e o judiciário nos últimos anos. Caso da proposta de construção de um porto seco junto à linha férrea nas proximidades da Vila de Paranapiacaba, obras na Estrada do Alvarenga, a criação do transporte fluvial Aquático São Paulo e a proposta de construção de um viaduto também junto à linha de trem. Tudo isso acontece em meio a chegada de eventos climáticos extremos que afetam o reservatório.
“Enquanto sociedade temos de mudar o comportamento; com poucas chuvas que tivemos chegamos ao mês de março com nível de 59% do sistema Rio Grande e a recuperação – prevista na Lei Específica – não é feita. Vemos um processo de desmatamento muito grande e ocupações irregulares”, diz. Para a docente, tudo isso reflete na qualidade da água e do volume que o sistema produz.
“A gente percebe a perda de capacidade de armazenamento, mais micro-organismos e com maior periculosidade para a saúde, mais esgoto não tratado, resultado do não cumprimento da legislação e falta de fiscalização”, diz Marta, que através do IPH-USCS realiza expedições para coleta de amostras de água regularmente em diversos pontos da represa. A última foi feita em fevereiro.
Para Marta, desde os anos 1980 muito se avançou em mobilização social e em pesquisas para discussão com os poderes públicos sobre o que se quer da Billings para os próximos anos. “Agora não é hora de baixar a guarda, vivemos já um processo de mudanças climáticas e precisamos falar da preservação da nossa água. Temos sorte de que, mesmo com tudo isso, a Billings tem um grande poder de produção. Temos áreas mais comprometidas da represa nas margens de São Paulo e São Bernardo, onde se tinha uma profundidade de 35 metros e hoje não passa de 12 metros, portanto temos muitos motivos para continuar lutando pela preservação da água para os próximos 100 anos”, completa.
Pessimismo
A professora e coordenadora do bacharelado em Planejamento Territorial da UFABC (Universidade Federal do ABC), Luciana Travassos, é membro do grupo de trabalho Mananciais, no Comitê de Bacia Hidrográfica do Alto Tietê. Luciana não é otimista sobre o futuro da Billings, se nada for feito no sentido e começar a recuperar as áreas de mananciais que garantem a produção de água.
“Temos de comemorar esse centenário por mais que os problemas sejam muito graves, porque ações que foram feitas ao longo do tempo também contribuíram para o que temos temos ainda preservado hoje, apesar do processo de degradação. Temos o problema do esgoto, a ocupação precária nas áreas de proteção que abrigam os ecossistemas importantes para manter a represa”, diz.
Luciana explica que a represa é muito grande e tem níveis diferentes de qualidade da água. “O corpo central da represa é muito poluído, assim como o braço Taquacetuba, que a liga com a represa Guarapiranga, só o braço do Rio Grande é mais limpo”, detalha. O braço do Rio Grande é de onde a Sabesp capta água para abastecer o ABC.

A professora da UFABC diz que os eventos climáticos extremos podem ser muito danosos para a Billings. “Além da seca que obviamente vai afetar, as chuvas muito fortes não trarão benefício, ao contrário vão prejudicar a represa. A bacia, com conservação florestal, tem uma recomposição do seu lençol freático que garante o volume de água da represa mesmo no período de seca, já com a chuva muito forte temos o solo que satura muito rápido, ruim para o escoamento e para abastecer o lençol freático, além de carrear resíduos para a represa, que vai assoreando”, explica.
Luciana Travassos considera que há um arcabouço legal suficiente para o poder público usar em favor da preservação da Billings. “Os municípios têm planos diretores, leis de zoneamento, tem a lei Específica Billings, mas também há uma dificuldade de fazer o planejamento ser implementado. A própria lei específica precisa ser revista, para que não seja apenas uma lei que diz o que não pode ser feito, mas que diga o que se precisa fazer”, aponta.
Para Luciana, as propostas de centro logístico e de mudança de zoneamento para ocupação de área de proteção são anacrônicas. A gente sabe as consequências que essas ações trazem; a ocupação irregular, as clareiras na mata e o impacto ambiental. Isso nunca deveria estar sendo discutido em 2025. As cidades têm espaço para abrigar a população que não precisa ir para essa área e só vai pelo preço da terra”, diz. “Não tenho uma perspectiva boa para os próximos anos”, completa a professora da UFABC.
Compromisso
Na sexta-feira (21/03) o movimento regional “ABC Para Onde Vamos?”, iniciativa organizada em parceria entre Consórcio Intermunicipal, Agência de Desenvolvimento Econômico do ABC, USCS, Agência Norueguesa Para Cooperação e Intercâmbio (Norec) e Universidad Metropolitana, realizada em celebração ao aniversário da Billings, trouxe uma carta-compromisso em defesa da represa.
O documento recomenda implementação de políticas públicas, programas e projetos em sete áreas: Proteção e Recuperação Ambiental; Saneamento e Controle da Poluição; Inclusão e Participação das Comunidades; Educação e Sensibilização Ambiental; Incentivo ao Ecoturismo e Sustentabilidade; Gestão; e Fortalecimento do Consórcio ABC como órgão regional responsável pela governança das questões ambientais da região.
O secretário-executivo do Consórcio ABC e presidente da Agência de Desenvolvimento, Aroaldo da Silva, afirmou que o próximo passo agora é o encaminhamento do documento para assinatura da Assembleia Geral de Prefeitos, marcada para o próximo dia 28 e que terá a presença de representante da Prefeitura paulistana.
Também foi definido calendário de ações para os próximos meses em comemoração centenário da Billings, como o início do projeto de sinalização visual, com alertas sobre proteção das áreas de manancial na região, conquista do Consórcio ABC com verba de R$ 1,9 milhão via Fundo Estadual de Recursos Hídricos (Fehidro), um seminário sobre Mudanças Climáticas e um evento preparatório para a COP 30, reunião da cúpula climática da Organização das Nações Unidas (ONU), marcada para novembro em Belém (PA).
No dia 27, dia do aniversário, o MDV (Movimento em Defesa da Vida do ABC) vai realizar um ato na Câmara de Diadema, onde a carta-compromisso também será apresentada.