
Por Raquel Gallinati
Recentemente, nesta última semana, tive a oportunidade de ser convidada pela Direção de Cooperação Internacional de Segurança da Embaixada da França para conhecer a Polícia Municipal de Paris. Uma experiência que me permitiu emergir na estrutura de segurança da capital francesa e, mais do que isso, comparar os desafios que ambas as cidades enfrentam, apesar de suas diferenças.
A segurança pública nas grandes cidades vai além da simples presença policial. Ela exige inteligência estratégica, prerrogativas claras para os policiais, treinamento e capacitação contínuos, tecnologia e, acima de tudo, uma forte conexão com a população. Esses são os pilares que sustentam um ambiente seguro e bem organizado.
Fui recebida pelo diretor Michel Felkay e o diretor adjunto Gaël Hilleret, que me explicaram a estrutura da Polícia Municipal de Paris e suas estratégias de policiamento comunitário e preventivo, como o foco na prevenção, para uma cidade mais segura.
Na Prefeitura de Polícia de Paris, conheci o Centro de Informações e Comunicação (CIC), que realiza o monitoramento em tempo real da cidade por meio de câmeras, análise de dados e inteligência artificial. Esse modelo me fez lembrar do nosso Centro de Controle Operacional (CCO) em Santos, que também investe em tecnologia para aprimorar a segurança.
Na Direção de Segurança de Proximidade da Aglomeração Parisiense (DSPAP), o policiamento comunitário se baseia no diálogo e na proximidade com a população, fortalecendo a confiança mútua. Isso reforça minha crença de que a segurança eficaz começa com presença, escuta e estratégia. Paris gerencia a ordem pública com respostas rápidas e estratégias bem planejadas para controlar multidões e crises.
Apesar das diferenças, Paris e Santos enfrentam desafios semelhantes na segurança municipal. Um dos principais desafios na capital francesa é a população em situação de rua, frequentemente composta por refugiados e imigrantes ilegais. Para lidar com essa questão, a Polícia Municipal de Paris adota um modelo: dentro da própria estrutura policial, há uma equipe de agentes sociais que não são policiais.
Os profissionais atuam como ponte entre a população vulnerável e os serviços assistenciais do governo, assegurando que a abordagem priorize soluções sociais efetivas, recorrendo à ação policial repressiva apenas quando necessário.
Já em Santos, o cenário é diferente, mas igualmente desafiador. A vulnerabilidade social aqui tem raízes mais profundas, ligadas a questões econômicas e desigualdade social. Assim como em Paris, a solução passa por uma abordagem integrada entre segurança pública e assistência social, evitando que a resposta à vulnerabilidade seja meramente punitiva.
A troca de experiências na França fortaleceu uma convicção que sempre tive: segurança pública não se resume apenas na repressão. Ela precisa de estratégia, inteligência policial , e ações sociais delimitadas. Afinal, a criminalidade não é estática. Ela se adapta, encontra novas brechas, novas formas, acompanha as mudanças sociais. Insistir exclusivamente na repressão como resposta significa ignorar a complexidade dos fatores que levam à violência. A força policial tem seu papel, mas, isolada, não é capaz de promover uma segurança sustentável e equilibrada.
A inteligência policial permite antecipar cenários, mapear padrões criminais e agir preventivamente, reduzindo a necessidade de respostas reativas tornando a segurança pública mais eficiente e consequentemente auxiliando na diminuição da criminalidade.
Mas há um outro pilar essencial, que muitas vezes é negligenciado: as ações sociais estratégicas. Nenhuma cidade pode se considerar segura enquanto parte de sua população está abandonada à própria sorte.
Em Paris, vi de perto como a integração entre segurança e assistência social reduz conflitos urbanos e fortalece o tecido social. Os profissionais que atuam diretamente com refugiados, moradores de rua e populações vulneráveis são fundamentais para evitar a escalada da criminalidade. Quando o Estado se faz presente com acolhimento e oportunidades, reduzimos a necessidade de intervenção policial.
Independentemente das diferenças culturais e estruturais, os desafios da segurança urbana são universais. E as soluções mais bem-sucedidas são aquelas que unem estratégia, inteligência e políticas sociais para construir cidades mais seguras e humanas.
Em Santos, estamos avançando nesse caminho, mas sempre há espaço para aprender, inovar e aprimorar. Afinal, a verdadeira segurança não depende apenas da presença policial, mas de uma sociedade que se sente protegida, amparada e respeitada.
Cidades são feitas de pessoas, não de concreto. E segurança, no fim das contas, é sobre proteger gente, não apenas patrimônios. Paris, com seus desafios monumentais, mostrou que até em cenários de crise, humanidade e eficiência podem coexistir.
Cidades são feitas de pessoas, não apenas de concreto. E a segurança vai além da proteção do patrimônio. É sobre proteger a pessoa, para que cada cidadão se sinta seguro. Diante dos inúmeros desafios, nossa missão é equilibrar eficiência e humanidade, construindo políticas públicas que realmente façam a diferença na vida das pessoas. É essa segurança na qual acredito e que estamos construindo para Santos.
Raquel Gallinati é secretária de Segurança Municipal de Santos, diretora da Associação dos Delegados de Polícia do Brasil e mestre em Filosofia.