Aclamada pela crítica e amplamente comentada nas redes sociais, a série Adolescência, da Netflix, ganhou destaque ao abordar temas como misoginia e cyberbullying. No entanto, a produção também traz à tona outras questões importantes, que provocam reflexões sobre o que significa ser adolescente nos tempos atuais, como lidar com as fases da vida e qual é o papel dos pais nesse processo – fundamentais para a construção de um diálogo verdadeiro.
A psicóloga Gleise Sales Arias, doutora em Psicologia Clínica e professora na Fundação Santo André, observa que a série vai além dos temas mais evidentes ao escancarar o abismo entre adolescentes e adultos. “É uma série sobre a escuta da adolescência. As dores de um adolescente ao perder uma amizade ou ser alvo de zombarias são tão reais e importantes quanto as enfrentadas por adultos. Mas, muitas vezes, esses sentimentos acabam sendo minimizados”, afirma Gleise em entrevista ao RDtv.
Falsa ideia de proteção
Um dos pontos centrais destacados pela psicóloga é a falsa sensação de segurança que muitos pais sentem ao saber que seus filhos estão dentro de casa. A série mostra que, mesmo confinados em seus quartos, adolescentes estão expostos a conteúdos violentos, situações de risco e interações tóxicas.
“A internet ampliou o processo de autonomia. Os filhos crescem, vivem relações, acessam conteúdos e constroem experiências emocionais que os pais, muitas vezes, desconhecem”, explica.
Gleise ressalta que a solução não está apenas na fiscalização, mas na construção de uma relação de intimidade desde a infância. Segundo ela, quando o vínculo é baseado apenas no controle, ele se torna frágil, pois a criança aprende cedo a burlar a vigilância. “O que realmente protege é o afeto e a presença constante no cotidiano”, afirma.
Outro aspecto relevante da série, segundo a psicóloga, é a relação entre o protagonista e seu pai. “É o retrato de um menino tentando corresponder às expectativas paternas. Isso gera medo, culpa e frustração”, comenta. Gleise reforça que os pais precisam compreender que os filhos não existem para atender expectativas, mas para viver suas próprias escolhas.
A distância emocional, segundo ela, muitas vezes impede que adolescentes compartilhem situações de bullying ou sofrimento psicológico — especialmente entre pais e filhos homens, por receio de serem vistos como fracos.
Escola e saúde mental
Embora a série destaque a dinâmica familiar, Gleise lembra que o desenvolvimento dos adolescentes ultrapassa esse núcleo e envolve também fatores sociais, amizades e outros relacionamentos. “Escolas, profissionais da saúde e políticas públicas precisam estar envolvidos na causa”, defende. Ela alerta que os debates sobre saúde mental costumam ganhar espaço apenas após crises — como ataques em escolas – quando o ideal seria investir continuamente em prevenção.
No contexto da saúde pública, a psicóloga enfatiza a importância do trabalho de profissionais da atenção primária. Para ela, o atendimento psicológico não deve ser procurado apenas diante de problemas, mas como uma forma contínua de cuidar da vida, das relações familiares e do desenvolvimento em todas as suas dimensões.