
As entidades associativas de aposentados do ABC estão preocupadas com a suspensão dos descontos nos benefícios do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social). O corte foi determinado pelo governo após a descoberta de possíveis fraudes. Apesar de não estarem envolvidas nas investigações, todas as associações que recebem do que é descontado diretamente na conta do aposentado, não poderão mais fazer a cobrança e podem ter suas atividades ameaçadas. Segundo as entidades ouvidas pelo RD, isso pode levar muitos dos aposentados a recorrer ao SUS (Sistema Único de Saúde).
O ABC, segundo o levantamento do Ministério da Previdência Social, tinha em 2023 (dado mais recente divulgado) 17.400 aposentados que recebiam, em média, naquela época, R$ 2,4 mil. A superintendência para São Paulo, do INSS, diz não ter dados mais recentes.
A CGU (Controladoria Geral da União) suspendeu todos os acordos de Cooperação Técnica firmados entre o INSS e entidades envolvidas em descontos suspeitos feitos em aposentadorias. A medida foi anunciada quinta-feira (24/04), um dia após a Polícia Federal e a CGU deflagrarem operação contra esquema de descontos não autorizados em aposentadorias e pensões. Os valores serão retidos a partir de maio. Segundo o ministro da CGU, Vinícius de Carvalho, o objetivo é reorganizar o sistema do INSS, em uma atuação conjunta da Advocacia Geral da União (AGU), INSS, Ministério da Previdência, Casa Civil e CGU.
“Tem que ir para cima destas entidades fraudulentas, porque tem muito aposentado sendo lesado, mas nós não temos nada a ver com isso. Nós, que fazemos um trabalho honesto, fomos colocados no mesmo balaio e seremos prejudicados”, lamenta o presidente da Associação dos Aposentados dos Químicos do ABC, Milton Nunes de Brito, o Tijolinho.
A entidade que Tijolinho preside tem dois formatos de contribuição. Segundo ele, 90% dos associados fazem o chamado pagamento no balcão, vão até o sindicato, escolhem se vão pagar por mês ou por ano, e pagam direto, o restante tem desconto diretamente na aposentadoria, uma parte desse valor (13%) fica para a Federação e a Confederação dos aposentados e o restante volta para a entidade de origem que usa esse montante para custear os atendimentos.
“Com R$ 130 por ano ele tem direito a médico, dentista, pode entrar no nosso convênio médico. Aqui todas as fichas de associação são assinadas por mim, é tudo transparente, ninguém é obrigado a se associar, ou a se manter sócio para toda a vida. Mas tem um monte de entidade que consegue a lista de aposentados, não sei onde e associa por telefone, são entidades que a gente chama ‘de gaveta’ porque eles não têm nada para oferecer, nem uma sede. Isso não é novo, já acontece faz tempo. Somos filiados a federação e a confederação, que são entidades sérias”, destaca Tijolinho.
Segundo Tijolinho várias entidades vão reduzir os serviços que oferecem ou até fechar, se a investigação e a suspensão dos descontos se mantiver por muito tempo. “Quem vai perder são os aposentados que vai ter de ir para o SUS, que já não dá conta nem do que tem”, prevê. Tijolinho esteve na tarde desta sexta-feira (25) reunido com o tesoureiro da entidade e, segundo o que foi apurado, se essa suspensão levar quatro meses ou mais, cortes serão feitos. “Vamos ter de pensar em um plantão diferenciado de atendimento, porque não vou conseguir pagar todos”, completa.
Isaias Urbano da Cunha, presidente da Associação dos Aposentados e Pensionistas do ABCDMRPRGS, diz que se a suspensão dos descontos se mantiver por mais de três meses, também não terá como manter as atividades. “Nossa entidade tem quase 25 anos de existência e prestamos muitos serviços, temos dentista, médico e fisioterapeuta, além e outras vantagens para os nossos sócios”, aponta. A entidade é mantida com o desconto no benefício dos cerca de 10 mil associados.
Na associação dirigida por Cunha já surgiram oportunistas cobrando devolução de valores de contribuições associativas. “Mas nós temos aqui tudo registrado, todos que são sócios foi porque nos procuraram assinaram a ficha de associação. Lutamos para defender a nossa entidade, que nunca teve nenhum problema com o INSS. Eu mesmo estou aqui desde a fundação da associação, meu trabalho é voluntário, eu também sou um dos que pagam para usar os serviços, mas nós temos funcionários que precisam do salário, temos profissionais que atendem aqui e precisam receber, mas se passar de três meses de suspensão dos descontos, não sabemos como vamos honrar nossos compromissos”, afirma.
Cícero Martinha, presidente da Associação dos Aposentados e Pensionistas de Santo André e Região, ligada ao Sindicato dos Metalúrgicos de Santo André e Mauá, também diz que essa situação não é nova. “Não faz muito tempo teve uma que tinha escritório no bairro Jardim. Nós percebemos quando aposentados vieram nos procurar reclamando de descontos, achando que nós que fizemos a cobrança. Tinha lá no extrato deles uma entidade, tudo abreviado que nem dava para saber o nome direito. Mandaram carta até para a gente aqui da diretoria, não sabemos como conseguiram o contato, sei que deu até Polícia Federal que foi lá e fechou”, disse Martinha. A entidade ligada aos metalúrgicos não será afetada pela decisão da CGU, pois as contribuições não são descontadas através do INSS, mas pagas diretamente no sindicato.
Wilson de Campos, o Xoxa, presidente da Associação dos Aposentados de Mauá, também ficou fora dos cortes, porque a entidade também não faz descontos no benefício dos aposentados. A arrecadação que mantém a associação vem de bingos, ingressos para bailes e aluguel do salão de eventos da sede própria da instituição. Os atendimentos também são mais restritos. “Quem entra nessa de fazer o desconto direto na aposentadoria tem um risco. Aqui nós não fazemos assim, eu mantenho contato direto com 1.800 sócios, antes da pandemia tínhamos muito mais. A gente se mantém com os bailes, os bingos e o aluguel do salão”, disse.
Entidades
As entidades alvo da investigação são: Contag, Sindnapi, Ambec, Conafer, AAPB, AAPPS Universo, Unaspub, APDAP PREV (antiga Acolher), ABCB/Amar Brasil, CAAP, AAPEN (antiga ABSP). Oito destas entidades foram criadas nos governos Michel Temer e Jair Bolsonaro. Contag e Sindnapi são mais antigos e AAPEN surgiu no governo Lula.

O Sindnapi (Sindicato Nacional dos Aposentados, Pensionistas e Idosos) ganhou destaque, porque o diretor e vice-presidente da entidade é José Ferreira da Silva, conhecido como Frei Chico, que é irmão do presidente Lula. Ele não é investigado.
O presidente, Milton Cavalo, disse, em nota, que o sindicato sequer foi alvo de buscas pela Polícia Federal e também defendeu a investigação. “Para o Sindnapi, a proteção dos direitos dos aposentados é uma prioridade fundamental para garantir uma sociedade mais justa e solidária. Quando surgem denúncias de descontos irregulares nos benefícios, é essencial que essas alegações sejam levadas a sério e investigadas de forma rigorosa. Essas denúncias podem afetar diretamente a vida de muitas pessoas que dependem desses recursos para garantir seu sustento e bem-estar”, afirma.
Em outro trecho da nota, Cavalo defendeu a transparência da investigação. “Uma investigação séria e transparente ajuda a identificar possíveis irregularidades, corrigir falhas e evitar que injustiças continuem acontecendo. Além disso, demonstra o compromisso das autoridades em proteger os direitos dos aposentados, promovendo confiança no sistema previdenciário. Desta forma, o Sindnapi apoia a investigação das denúncias de irregularidades nos descontos em benefícios dos aposentados. Faz parte do DNA do sindicato a defesa dos beneficiários do INSS e a luta contra golpes dos mais diversos que afetam os ganhos dessa população”, diz o comunicado.
Cancelamentos
Segundo o INSS, a diferença de exclusões do governo anterior com o atual é discrepante: em 2022 foram excluídos 115.541 descontos associativos. Em 2023 saltou para 465.061 exclusões. Em 2024 foram canceladas 1.516.500 mensalidades. E em 2025 (até 23 de abril) 374.609 mensalidades foram excluídas.
O número de cancelamentos por conta de descontos indevidos também apresenta alta. Em 2020, foram 18.690; em 2021 ocorreram apenas 16 exclusões. Em 2022, de 115.541 exclusões, 70.738 eram indevidos. Em 2023, dos 465.061, foram cancelados 420.837 descontos por não reconhecimento de autorização. No ano passado, foram excluídas 1.516.500 mensalidades. Desse total, 1.453.694 foram identificadas como indevidas pelos beneficiários. Até o dia 23 de abril deste ano, 355.424 débitos não reconhecidos foram cancelados pelo INSS.